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Indígenas bloqueiam PR-445 em Tamarana em protesto contra Marco Temporal

Indígenas das tribos Kayngang de Apucarinha em Tamarana (região metropolitana de Londrina) e Queimados de Ortigueira (norte do Estado) bloquearam por cerca de duas horas a PR-445, na altura do distrito de Lerroville (zona sul) no início da tarde dessa quarta-feira (7) em protesto contra o PL do Marco Temporal, que altera o texto que discute se as demarcações de terras indígenas devem seguir esse critério de terras que já eram ocupadas pelos indígenas no dia da promulgação da Constituição Federal de 1988. 

A proposta foi aprovada pela Câmara dos Deputados, tramita no Senado e estava na pauta do dia do STF (Supremo Tribunal Federal) com placar de 2X1 contra o Marco Temporal até o ministro André Mendonça pedir vistas . 

Os indígenas atearam fogo em galhos e pneus e bloquearam por volta das 14h45 os dois sentidos da rodovia estadual, mas os manifestantes deixaram passar veículos oficiais como ambulância e carros da Polícia Rodoviária Estadual. Desde o início do protesto apenas uma caminhonete furou o bloqueio, mas os demais motoristas respeitaram a manifestação. A saída de veículos pelo trevo de Lerroville também está interrompida pelo protesto. 

Os povos indígenas das duas tribos querem chamar atenção para as perdas dos direitos que podem ser provocadas com a mudança no marco temporal.

Nyg Kaingang diz que o projeto de lei do Marco Temporal das Terras indígenas é um “genocídio legislativo, um racismo constitucional”. Segundo ela, a tese do PL “viola todas as garantias constitucionais históricas dos povos originários que garantem o pouco de terra que conseguimos até agora. É como se antes [da Constituição Federal de 1988] nós não existíssemos”, diz.

Nyg diz que os indígenas estão “cansados dessa mentira” de que os povos indígenas são os invasores da terra. “Pelo contrário, nós estávamos [na chegada dos portugueses] aqui e acolhemos os europeus”, recorda.

A coordenadora ressalta que os povos indígenas são “a riqueza desta terra”, tanto que as florestas estão mais conservadas onde há reservas de povos originários. “Não existe água sem nascente e não exite nascente sem a floresta. Estamos aqui para dizer que somos os povos da natureza. Mas, daí, chega uma minoria de deputados, com essa ideia colonizadora, dizer que não sabemos gestar nossas terras? Que tipo de gestão eles querem, que desenvolvimento eles querem? Desenvolvimento sobre o sangue indígena derramado? Por isso o marco temporal é um genocídio legislativo, um racismo constitucional”, dispara. E conclui: “Nós sabemos bem como gestar nossos territórios e não é o modelo do agronegócio e das mineradoras, nocivo ao solo.”

Em entrevista à FOLHA DE LONDRINA o coordenador de grupos de dança e  guerreiros da aldeia, Claúdio Novev Marcolino Paulino, diz que a alteração preocupa a população indígena em todo território nacioanal. “A nossa população está aumentando e as terras diminuindo. A gente quer a demarcação das nossas terras e está cada dia ficando pouco para nossa gente. Queremos mais respeito aos povos originários. Essa mudança é mais um genocídio contra nossa gente.”

O protesto foi marcado por rituais, música e danças dos povos originários que atraíram a atenção de motoristas que ficaram presos no longo congestionamento.  Orações na língua nativa foram feitas com pedidos para que os ancestrais pudessem interceder pelos parentes que estão em Brasília contra o Marco Temporal no Supremo Tribunal Federal.  O rito foi conduzido pela indígena Nyg Kaingang, que faz parte da ANMIGA (Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade).

Nesta quarta-feira, o STF  retoma o julgamento que discute se as demarcações de terras indígenas seguirão o critério estabelecido pelo Marco Temporal. O julgamento começou em 2021, mas a análise do tema foi interrompida em 15 de setembro do mesmo ano. 

Apoio de quem está por dentro, descontentamento de quem desconhece

Retornando de Curitiba para Londrina, Dione Lolis e Marina Lolis, mãe e Filha, foram surpreendidas pela manifestação no trevo de acesso da PR-445 para Lerroville. “No início, achamos que era algum acidente, porque vimos a fumaça mais longe e a ambulância passando. Tentamos desviar, mas descobrimos que era a manifestação”, disse Marina.

Para Dione, a manifestação dos povos indígenas contra o PL 490 é legítima. “Acho que não dá para [deixar] passar. Este é o tipo de manifestação que não podemos deixar passar. Vamos aguardar [o fim do protesto]”, diz.

Vindo de Cascavel, o representante comercial Nei Assis seguia de Londrina para Tamarana na expectativa de prospectar mais clientes e, em seguida, pretendia ir para São Paulo continuar o trabalho na sexta-feira. 

Também surpreendido, buscava informações sobre o protesto dos caingangues à beira da rodovia. Ao ser informado do motivo, considerou: “Quem tinha de resolver isso é o governo [federal]. Deviam resolver em brasília, mas vão ‘engavetando’ até ‘estourar’ no Brasil todo. Assim, atrasa nossa vida e o Brasil fica estacionado. Como querem gerar riqueza?”, questiona. 

De uniformes laranjas, dois funcionários do DTW, o consórcio que executa a duplicação da PR-445, acompanhavam a manifestação dos kaingangues de celulares nas mãos. “Nunca tínhamos visto, mas estamos filmando para mostrar que estamos presos aqui na rodovia”, afirma um deles – os trabalhadores não informaram os nomes.

Eles retornava para Mauá da Serra com o caminhão carregado quando foram pegos de surpresa pelo bloqueio. “Ainda não entendemos o motivo do bloqueio, mas estão atrapalhando a passagem”, disse o mais alto dos trabalhadores. Ao ser informado sobre o debate do marco temporal, concluiu: “Não sei se resolve algo bloqueando a rodovia aqui. Acho que deviam protestar em Brasília.”

Fonte: Folha de Londrina


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